No tempo de Jesus, havia uma
ala do Judaísmo tendente ao exagero, a ponto de reduzir a fé a um
complexo de leis e mandamentos de difícil execução. Mas será que Deus
quer mesmo transformar nossa vida num infindável “pode/não pode”,
“deve/não deve”, “é permitido/é proibido”? Não, pois uma religião
vivida, desta forma, torna-se empobrecedora, porque faz do indivíduo um
escravo da Lei sem tempo para relacionar-se com o Senhor de maneira
prazerosa e alegre.
Neste ambiente, um mestre da Lei de
Moisés reconhece Jesus como Mestre e, tentando acalmar a discussão que
se tinha levantado à volta do Senhor, interroga-O: “Qual é o mais importante de todos os mandamentos da Lei?”.
Partimos do princípio de que os escribas
eram intelectuais, conhecedores profundos e pormenorizados dos textos
da Lei de Moisés. Sendo assim, Jesus – olhando bem para aquele homem –
poderia até se questionar: “Como é possível este escriba não saber qual
é o maior mandamento da Lei?”. Mas, mesmo assim, Jesus lhe responde:
“Escuta Israel! O Senhor, nosso Deus,
é o único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração,
com toda a tua alma, com toda a tua mente e com todas as tuas forças. E
o segundo mais importante é este: Amarás próximo como a ti mesmo. Não
existe outro mandamento mais importante do que esses dois” (Marcos
12,29-31).
Jesus, fazendo uma análise da figura desse escriba e de seu interesse, chega à conclusão de que ele “não está longe do Reino de Deus”.
Pelos detalhes, essa narrativa
assemelha-se à cena do jovem rico (Mc 10,17-22), ao qual apenas faltou
dar tudo aos pobres para seguir a Jesus. Ao escriba, no entanto,
faltava romper seus laços com as doutrinas e observâncias legais. E
para você, o que falta? Que barreira você deve romper para seguir e
adorar ao Deus único e verdadeiro? Saiba que a expressão da sua adesão
ao amor de Deus não é o culto religioso nem a observância do domingo ou o
cumprimento de liturgias, mas o amor concreto e solidário ao próximo,
que se resumem em “amar a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximo como a si mesmo”.
Nesta resposta de Jesus, vemos duas
realidades. A relação “do homem com Deus” e “do homem com o homem”
para, depois, voltarem os dois juntos a Deus, princípio e fim de toda a
humanidade.
Portanto, o segundo mandamento completa o
primeiro. Em conjunto, eles resumem toda a Lei e os profetas. Sendo
assim, Jesus explica ao escriba a impossibilidade que existe em cumprir
o primeiro mandamento sem o segundo.
Para João não é possível amar a Deus –
que não vemos – se não amarmos o nosso próximo que vemos. Se assim
for, não passamos de mentirosos, porque Deus Pai é amor e, quem O ama,
deve amar também o irmão. Logo, os dois mandamentos se abraçam e se
completam. Esse é o modelo que o próprio Evangelho nos apresenta na
relação amistosa entre Jesus e o escriba, pois ambos se elogiam
reciprocamente. Nisso consiste o amor: no reconhecimento de uma
recíproca igualdade e numa mútua e perpétua fidelidade.
A fé pregada por Jesus apóia-se em dois
pilares: o amor a Deus e o amor ao próximo. Isso é essencial. Tudo o
mais é complemento e pode ser relativizado. Quem ama a Deus recusa toda
forma de idolatria, não aceita ser subjugado por nenhum outro senão
Ele. Quem ama o próximo põe freios ao seu egoísmo, de modo a jamais lhe
desejar o mal ou fazer algo que possa prejudicá-lo.
Ante a sábia resposta do Verdadeiro
Mestre, o escriba – no diálogo com Jesus – enxerga e afirma que o amor a
Deus e ao próximo supera todos os holocaustos e sacrifícios.
Reconhece, assim, os dois maiores mandamentos. Jesus, então, afirma que
ele não está longe do Reino de Deus.
A única exigência da religião de Jesus é
que a pessoa não coloque a si mesma como centro, mas Deus e o amor ao
próximo como passaporte para o Reino do Céu. A expressão de nossa
adesão ao amor do Pai não é o culto religioso, mas o amor concreto e
solidário, pois o outro é a ponte, é a escada, o passaporte que nos faz
atravessar o Mar Vermelho, o deserto, a morte em direção à terra
prometida, “de onde jorra leite e mel”, ou seja, a nossa pátria
definitiva: o Reino do Céu!
Padre Bantu Mendonça
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